segunda-feira, 16 de março de 2009

Do medo do outro ao medo pelo outro: Por uma Cultura da Proximidade (II)

O diferente não é o nosso inimigo, não representa o perigo. O medo [da violência] gerou uma paranóia colectiva em que as relações humanas passam a ser de desconfiança, de animosidade. Estamos a gastar muita energia, económica e emocional, para nos defendermos de um inimigo que talvez nem exista.

Ubiratan D'Ambrósio

domingo, 15 de março de 2009

Do medo do outro ao medo pelo outro: Por uma Cultura da Proximidade

- "Cativar" quer dizer o quê?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu - disse a raposa - quer dizer "criar laços"...
- Criar laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E também passo a ser única no mundo para ti... [...] Se tu me cativares, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhcer uns passos diferente de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, repara! Estás a ver aqueles campos de trigo ali adiante? Eu não gosto de pão e, por isso, o trigo não me serve para nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor de ouro. Então, quando tu quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. O trigo é dourado e há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do som do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar par ao principezinho durante muito tempo:
- Se fazes favor... Cativa-me! - acabou finalmente por pedir.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho, - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos o que cativamos - disse a raposa. - Os homens deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram as coisas já feitas aos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos. Se queres um amigo, cativa-me!

Antoine de Saint-Exupéry - O Principezinho


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sábado, 14 de março de 2009

Workshop "Educar a violência: O papel da escola"

Vai realizar-se no próximo dia 14 de Março, Sábado, das 16.30 às 19.00, na Sala Alberto Lourenço, nas instalações da Igreja de Santa Isabel, Rua Saraiva de Carvalho, 2A (Metro: Rato), em Lisboa, o Workshop “Educar a violência: O papel da escola”, orientado por Helena Águeda Marujo e Luís Miguel Neto, ambos Professores Universitários.

A entrada é livre, mas com inscrições limitadas!
Inscreva-se já, para paxchristi.portugal@gmail.com, até 12 de Março.

Educar a violência para uma Cultura da Paz

Educar a violência é permitir uma tomada de consciência da situação de violência, poder reagir a esta e desenvolver a capacidade de gerir conflitos de forma construtiva e positiva. Educar a violência é permitir o desenvolvimento de uma cultura de paz e de relações não – violentas entre os humanos.

Construir uma cultura de paz não implica recusar a violência mas sim educá-la. Para tal, é necessário reconhecer que a violência é um dado antropológico e universal, mas face ao qual é possível reagir, cada um à sua medida.

Ao reconhecer que a violência, tal como o stress, ou o medo, é um recurso biológico da espécie sem o qual possivelmente não existiríamos, falar de “educação para a paz” seria quase um eufemismo para nos esquivarmos ao reconhecimento de que a violência é uma característica constitutiva de todo o ser humano e que nunca poderá ser canalizada sem antes ser reconhecida. Educar a violência teria então o objectivo de desactivar o seu potencial destruidor, para que a força, o ímpeto, e o arrebatamento possam ser utilizados em benefício do seu possuidor e de quem o rodeia.

Para detectar a violência, para nomear a coisa precisamos das palavras. Contra a tradicional tendência para ocultar, fingir, mentir e dissimular para evitar conflitos, crendo que os problemas desaparecem se não os mencionarmos, é urgente contar, ler, escrever e procurar as palavras para fazer confidências, partilhar segredos e temores, confiar e dar confiança, estruturando assim o caos em que vivemos quando não podemos dizer/nomear o que se passa. É difícil fazê-lo e é aí que pais e educadores têm a responsabilidade de educar com o exemplo no momento de verbalizar as emoções.

Mas as palavras, no máximo, servir-nos-ão de mapa, ajudar-nos-ão a localizar um território cheio de medos, frustrações, ódios fracassos ou abandonos que não se desactivam só por nomeá-los; por muito necessária que seja a sua nomeação nunca será suficiente.

No fim de contas são paixões, mais do que conceitos, o que está subjacente às manifestações de violência mais comuns.

Educar a violência, pois, por mais difícil que seja encontrar no sistema educativo e no diálogo familiar o momento para a comunicação afectiva e para a reflexão político-social. Dar um pouco mais de atenção à indagação emocional, para ver se assim conseguimos que as paixões não rebentem em estrondos cegos e aprendemos a esfriá-las com o intelecto. Para que não cheguemos sempre tarde…

Por mais tarde que seja, por mais improvável que se afigure, educar a violência é manter a esperança.

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sexta-feira, 13 de março de 2009

Colóquio "Missão de Paz em cenários de guerra"

«Missão de paz em cenários de guerra» é o tema do colóquio organizado pelo grupo “Ecumenismo e Diálogos Inter-Religioso e Inter-Cultural” da Paróquia de Paço de Arcos , com a colaboração da secção portuguesa da Pax Christi, a realizar no próximo dia 13 de Março, às 21.30, no Salão Paroquial da Igreja de Paço de Arcos. Entrada livre.

Construir a paz com armas na mão e/ou participar numa intervenção armada para manter a paz pode parecer uma contradição: o uso das armas significa habitualmente violência e destruição mesmo quando é em defesa própria (de pessoas ou nações) pois trata-se de uma resposta (violenta) a quem já usou de violência. Para os cristãos esta é uma questão que implica uma séria reflexão: o que é o espírito de homens de paz? Como se pode transmitir esse espírito no contexto de uma guerra e de armas na mão?
Muitos membros das nossas Forças Armadas têm participado em Missões de Paz em países longínquos e com realidades sociais e culturais muito diferentes da nossa. Como têm vivido esta experiência? Quais as principais aprendizagens que têm feito? Têm realmente sentido que vivem a missão com o espírito de Homens de Paz?
Iniciativa promovida pelo grupo da Paróquia de Paço de Arcos “Ecumenismo e Diálogos Inter-Religioso e Inter-Cultural”, com a colaboração da secção portuguesa da Pax Christi, conta com a intervenção do capelão militar Padre Constâncio José Costa Gusmão (missões em Timor-Leste, Bósnia, Kosovo -Zueses- e Afeganistão) e do Major Garcia Lopes (missão em Timor-Leste); a moderação estará a cargo do D. Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças Armadas e de Segurança e Presidente da Secção Portuguesa da Pax Christi.

Não deixe de aparecer e participar! E lembre-se de convidar os seus amigos também.

Violência na intimidade: Violência escondida?

“…A violência doméstica é um problema legal, económico, educacional, de desenvolvimento, de saúde e, acima de tudo, é uma questão de direitos humanos”.[1] As Nações Unidas (Declaração sobre Direitos Humanos) assinalam este fenómeno como global, com características semelhantes em países cultural e geograficamente distintos.

Apesar de atingir igualmente as crianças, os idosos, pessoas dependentes ou cidadãos portadores de deficiência, a realidade indica que as mulheres continuam a ser um dos grupos mais vulneráveis a este tipo de violência que ocorre na intimidade das relações e do espaço doméstico. “A violência contra as mulheres no espaço doméstico é a maior causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos, ultrapassando o cancro, acidentes de viação e até a guerra”[2].

Este fenómeno está radicado num sistema de crenças e valores patriarcais, que têm perpetuado as desigualdades de género. Neste modelo de dominação do homem sobre a mulher, a violência surge como um exercício de poder e controlo assumindo a forma física, psicológica ou sexual.

Num quadro de violência estamos perante pessoas fragilizadas, cuja trajectória pessoal e inserção social estão comprometidas. Para muitas destas vítimas, o impacto psicológico é sentido como o aspecto mais penoso e debilitante. Tende a afectar a sua auto-estima e a aumentar a probabilidade de problemas de saúde mental, como sejam, a depressão, ansiedade, fobias e stress pós-traumático.

Durante muito tempo tolerada e silenciada, a violência contra as mulheres tem hoje uma visibilidade crescente, a qual não se pode dissociar da redefinição do seu papel social feminino. A conquista de uma autonomia económica e emocional é um processo fundamental para que as mulheres possam reagir precocemente aos processos de violência.
A participação cívica dos homens, ao lado das mulheres, na construção de uma cidadania activa e de uma sociedade mais igualitária é fundamental no processo de mudança. Desde logo, na partilha das responsabilidades parentais e na construção de uma dinâmica familiar não violenta que sirva como modelo positivo para futuros relacionamentos das crianças. Por outro lado, promover um relacionamento familiar não conflituante é contribuir para o desenvolvimento de um espaço de autonomia e individuação das crianças e jovens.

Torna-se assim necessário um maior empenho para que a mudança de valores, atitudes e práticas sociais possa acontecer, ou para que o fosso entre o reconhecimento dos direitos e a sua plena assunção seja cada vez menor.

[1] Mehr Khan, Unicef Innocenti Research Centre in Domestic Violence Against Women and Girls, Innocenti Digest, 6, 2000.
[2] Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Recomendação 1582, 2002

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quinta-feira, 12 de março de 2009

Violência da exclusão, violência da marginalização

Um dos mais dramáticos sinais da crise democrática dos regimes políticos de todas as latitudes manifesta-se pela exclusão de qualquer tipo.

De facto, as diversas expressões da exclusão traduzem uma postura desumanizada das sociedades, com manifestações significativas da desvalorização da cidadania e a hipertrofia do egoísmo social que conduz às diversas manifestações da marginalidade.

O professor Alfredo Bruto da Costa, olhando para as diversas formas de exclusão existentes na Europa, sistematiza-as em cinco tipos:

1º Tipo: Exclusão causada por falta de recursos. Estamos aqui no caso da pobreza entendida como situação de privação por falta de recursos.

2º Tipo: Exclusão por factores de ordem social, ou de organização social. Trata-se de sociedades configuradas de modo a que determinados grupos não tenham lugar nelas (os idosos, os deficientes, os imigrantes, etc.). Sociedades que se fecham a determinados grupos.

3º Tipo: Exclusão por factores de ordem cultural. Temos aqui factores como o racismo, a xenofobia, etc., que excluem sobretudo minorias étnicas e culturais.

4º Tipo: Exclusão por factores patológicos, tais como doenças psiquiátricas, ou outras.

5º Tipo: Exclusão por comportamentos auto-destrutivos. São exemplos a toxicodependência, o alcoolismo, a prostituição, etc.

Estes tipos de exclusão não são independentes. Eles podem sobrepor-se e um tipo de exclusão pode levar a outro tipo de exclusão.

É imperativo que todos possam desfrutar de oportunidades económicas, sociais, culturais, etc., sem nenhuma discriminação. A exclusão e a marginalização podem conduzir à frustração, à hostilidade e ao fanatismo. Constituem um travão à coesão social, e por vezes, fonte de comportamentos violentos.


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quarta-feira, 11 de março de 2009

Violência estrutural, ou a violência do poder

A violência estrutural é, normalmente, entendida como a que resulta do monopólio legal do uso da força pelo Estado (no sentido de sociedade política), de acordo com a sociologia de Max Weber (1864-1920).

Mas a violência estrutural vai muito além dessa sua dimensão institucional, expressa no aparelho repressivo estatal. Ela diz respeito a aspectos como a concentração de rendimentos e riqueza, a falta de acesso a direitos políticos e sociais (como bens e serviços) para amplos segmentos da sociedade, ao desemprego estrutural, massivo e crónico - que atinge, neste momento, em Portugal, mais de 10% da população activa -, à distância que existe entre a Justiça e, mais uma vez, as mesmas classes ou camadas de população mais fracas, empobrecidas e vítimas de uma estrutura brutalmente desigual.

A produção de desigualdade é um ponto essencial e constitutivo da violência estrutural: a nossa sociedade é uma "fábrica" produtora de múltiplas formas de desigualdades, que estão na base de diversos fenómenos sociais, inclusive da violência criminal.

A violência estrutural abrange, portanto, aquelas modalidades de violência socioeconómica, de género, de "raça" ou étnica, subterrâneas, estruturadas por e estruturantes das relações sociais quotidianas: bairros sociais que oferecem más condições de vida e propiciam a marginalização dos seus habitantes, transportes públicos lotados e mal organizados, falta de empregos ou empregos precários, anonimato e isolamento, são só alguns exemplos de situações “violentas” e vivenciadas como violência, que resultam em pessoas stressadas, desesperadas e marginalizadas e que perdem o seu sentido de humanidade num mundo que não as acolhe, não as valoriza, nem as promove. Elas são vítimas da violência estrutural.

Quando começaremos a ter consciência de que o nosso modo de vida também pode produzir discriminação e “violentar” o espaço vital dos outros?

Que (novas) formas de “ser solidário” podemos adoptar para combater a violência estrutural e passar
do medo do outro ao medo pelo outro?

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terça-feira, 10 de março de 2009

A glamourização da violência

Todos os dias somos bombardeados com imagens de violência.

Fascinante, a violência parece ser um aliado inevitável dos meios de comunicação, garantia de audiências e de espectáculo.

Porque vende, porque atrai mais espectadores, a violência é glamourizada, espectacularizada e generalizada. Televisão, rádio, jornais, revistas, internet, cinema, videojogos, etc., veiculam-nos uma imagem de glamour da violência. A violência é fashion.

Abordada desta maneira – indevida –, a violência acaba por se tornar banal e aceite como um facto comum. Esta banalização legitima a violência física como forma de solução de conflitos, como um valor de afirmação – actualmente é chique ostentar-se violento. Ou então gera insensibilidade perante a violência, que é absorvida passivamente e, em vez de despertar indignação, gera apatia e medo.

Perante isto, questionamo-nos:

Os meios de comunicação são factores de violência? Alteram o comportamento das pessoas que os vêem?

Fazer da violência uma arte ou usar a arte para denunciar a violência?

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segunda-feira, 9 de março de 2009

Violência no mundo urbano: Insegurança e cultura do medo

Roubos por esticão, crimes, casas assaltadas, incêndios, bairros degradados, desvios de dinheiro, violência nas escolas, violência doméstica, violações, terrorismo, crime organizado, perseguições, agressividade ao volante, conflitos de vizinhança, delinquência, toxicodependência, tumultos nocturnos, pilhagem de espaços públicos... são actos de violência que fazem parte do nosso quotidiano de uma forma mais ou menos directa; são outros tantos elementos que alimentam em cada um de nós o sentimento de insegurança, que fomentam uma cultura do medo...

Seja pela imprensa, pela televisão, nos jogos de vídeo, ou pela experiência vivida de maneira directa ou como testemunha, somos confrontados quotidianamente com a violência.

O sentimento de insegurança a ela ligada faz com que falemos dele constantemente e infiltra-se nas esferas privada, política e científica, entra no mundo da sociedade civil. A questão da insegurança transformou-se num problema maior da sociedade, e toma cada vez mais a forma de um fenómeno social global, pondo em cena toda uma série de componentes da existência dos cidadãos.

Os medos criam um clima social em que o sentimento de ameaça domina, subordinando o espírito crítico à emoção e aos sentimentos, inflamando as desconfianças mútuas entre os cidadãos, o medo do desconhecido... do outro.

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